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Agência centraliza fiscalizações na Argentina após tragédia em boate

Somente em 2012 foram feitas 14 mil inspeções, diz o diretor da agência. Incêndio semelhante ao da boate Kiss, no RS, deixou 194 mortos em 2004

Em Buenos Aires, na Argentina, o rigor nas fiscalizações em casas noturnas aumentou após um incêndio na boate Cromañón, em 2004, que deixou 194 mortos e mais de mil feridos. Uma tragédia semelhante à da boate Kiss, em Santa Maria, em 27 de janeiro desde ano, que no sábado (2) registrou a 240ª vítima.

Tanto a polícia como familiares que perderam parentes na cidade do Rio Grande do Sul buscam no país vizinho lições para que a situação não se repita. Uma das medidas adotadas foi a criação de uma agência que centraliza as inspeções. Somente em 2012 foram 14 mil vistorias em estabelecimentos argentinos.

A Agência Governamental de Controle foi criada pela Prefeitura de Buenos Aires. Na época, o prefeito Anibal Ibarra foi deposto do cargo. Entre funcionários municipais, integrantes da banda de rock que tocava na casa noturna e o gerente do local, 14 pessoas cumprem pena de até 10 anos. Alguns foram condenados por omissão de dever e outros por incêndio culposo seguido de morte.

“Também fazemos simulações de incêndio duas vezes ao ano na presença de técnicos da Defesa Civil”, diz o diretor da agência, Pierre Chapar. Além das vistorias mais constantes, passou a se obrigatória a colocação de placas na entrada dos estabelecimentos, indicando a capacidade do local e os horários de funcionamento. Os fiscais fazem inspeções diárias para conferir essas informações. As licenças para o funcionamento das boates, que antes podiam ser feitas uma vez ao ano, agora tem de ser renovadas a cada três meses.

“Documentação, medidas de segurança, planos de bombeiros, verificamos a estrutura para que estejam de acordo com as plantas e que as modificações não alterem as saídas e as questões de segurança”, explica a inspetora prefeitura Juliana Schmidt. A Agência Governamental de Controle também cuida da habilitação para os estabelecimentos e da penalização de infratores.

Entre as principais exigências estão a presença de um bombeiro e de um grupo de pessoas treinadas para garantir a segurança nas casas noturnas. Os estabelecimentos com capacidade para mais de mil frequentadores precisam ter um médico de plantão nas noites de festa.

Gerente de uma boate, Gustavo Rios diz que gasta de cinco a 10 vezes mais com os cuidados de segurança após as mudanças. “Temos ambulância, médico na porta, bombeiro no local e um alarme de incêndio monitorando para que cheguem o mais rápido possível em caso de incêndio”, explica.

 

Sobreviventes recebem acompanhamento

Ainda hoje a saúde dos sobreviventes da tragédia na Argentina exige cuidados. Os exames são anuais em função da intoxicação por monóxido de carbono e gás cianureto. “Os jovens têm de fazer espirometria, radiografias e tomografias, para uma possível busca de cianureto. E depois os exames psicofísicos, psiquiátricos que constam, porque eles têm muitos altos e baixos quando expostos a diferentes estímulos”, diz a fonoaudióloga Lila Telo.

Todos os meses os familiares são recebidos na Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Além de remédios e atendimento psicológico, o governo dá uma ajuda de R$ 300 reais por mês às famílias das vítimas. O subsecretário diz que os recursos são limitados, mas ressalta que outras mudanças importantes já foram feitas como um novo decreto nacional que impõe mais rigor na expedição dos alvarás e no funcionamento das boates de todo país. “Existe mais controle na rua à noite, se soma a isso os controles de alcoolismo, os horários, as idades. Mas a cidade é muito grande, com mais de 3 milhões de habitantes, e que recebe muita gente da Grande Buenos Aires”, comenta Claudio Avruj.

 

Tragédia ficou na lembrança dos argentinos

A boate Cromañón fica na Rua Bartolomeu Mitre, quase no coração de Buenos Aires. Em 2004, fogo e fumaça tóxica foram provocados pelo uso indevido de fogos de artifício dentro da casa noturna que estava com o alvará dos bombeiros vencido, excesso de público e a única saída de emergência trancada, conforme apontou a investigação. No local, assim como em frente à boate Kiss, em Santa Maria, foi erguido um memorial que lembra as vítimas.

A professora e estudante de direito Silvina Gomes é uma das sobreviventes. Para ela, é impossível esquecer o que aconteceu há pouco mais de oito anos. “Fisicamente não tive sequelas, mas depois não consigo dormir, continuo com medicação psiquiátrica, vejo sombras pretas. Agora tenho dois filhos e sonho que eles caem em um mar preto, coisas desse tipo, sempre o preto presente, que foi o que mais me impactou”, conta. Silvina juntou-se a integrantes de uma ONG para responsabilizar os culpados.

José Iglesias perdeu um filho de 19 anos no incêndio da Cromañón. O advogado acredita que, apesar dos sistemas de emergência terem sido restruturados no país, é preciso ficar atento para as violações da lei. Segundo ele, em alguns lugares do interior e Buenos Aires a fiscalização funciona melhor do que na capital. “Existem alguns municípios da província de Beunos Aires onde as coisas funcionam bem e outros onde não funcionam”, diz.

Mãe de uma jovem que morreu na tragédia, Nilda Gomes se juntou a outros pais para dar palestras em escolas. Segundo ela, o trabalho tem dado resultado. “Nas escolas nós temos oficinas, é o terceiro ano consecutivo que o Conselho Geral da Província de Buenos Aires e da Direção Geral de Cultura e Educação da Província declarou de interesse educativo todas as atividades que fazemos na ONG”, destaca.

A estudante Tatiana Vasquez diz que se sente mais segura quando sai à noite após as mudanças. “Agora existe mais controle, te revistam quando tem um show, por exemplo, quando vamos dançar acontece o mesmo. Eu me sinto segura”, afirma.

 

Fonte: G1