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Estado dos EUA vira referência ao tratar incêndios como saúde pública

Delaware, Estado da costa leste americana que tem o melhor sistema de prevenção de incêndios nos Estados Unidos, é um dos exemplos do exterior no qual o Brasil poderá se espelhar para evitar uma tragédia como a do último domingo, quando mais de 230 pessoas morreram na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), a maioria asfixiada pela fumaça.

O segredo americano foi  encarar estes incidentes como uma questão de saúde pública. Há dez anos, os bombeiros coletam informações detalhadas sobre cada incêndio na região e aplicam os dados em programas de prevenção. As informações, que incluem o local e as causas do incidente, são inseridas no Sistema para Reportar Incidentes de Incêndio (DFIRS, na sigla em inglês) e disponibilizadas para o público. Segundo a especialista em prevenção de incêndios Shannon Fratarolli, os dados permitem determinar o tipo de prevenção a ser implementada e qual o público-alvo. “Estes números são fundamentais para identificar os fatores de risco”, afirma.As estatísticas mostraram que aproximadamente 64% dos incêndios anuais em Delaware ocorriam em residências, sendo que em 2% dos casos haviam mortos ou feridos. Além disso, identificaram que a maioria dos incidentes começava com cigarros que eram esquecidos acesos e que nas casas com detectores de fumaça raramente havia mortos ou feridos.A partir dessas informações, o Estado começou a disponibilizar detectores de fumaça, muitas vezes gratuitamente, para a comunidade. Também reforçou a prevenção de incêndio onde mais ocorriam: nos bairros residenciais com casas de pequeno e médio porte. Os dados também levaram à mudança na legislação americana com relação aos cigarros, que agora são feitos de material de baixa ignição.

O resultado é que atualmente Delaware tem um dos menores índices de morte por causa de incêndios nos Estados Unidos. E a principal causa dos incidentes mudou para fiação elétrica, ao invés de cigarros. “Delaware é um case de sucesso porque mostra como é possível prevenir incêndios. Existem soluções, só que elas precisam ser consideradas prioridade pelo poder público”, diz Shannon.Nos Estados Unidos a maior parte dos incêndios ocorrem em residências porque há muito tempo o país prioriza a segurança em estabelecimentos comerciais. Casas noturnas, por exemplo, são obrigadas a terem alarmes de incêndio, saídas de emergência e rociadores (em inglês ‘sprinklers’), dispositivos localizados no teto e que liberam água em alta pressão.Mas esta cultura de prevenção só surgiu após algumas tragédias. Muitas legislações foram criadas após o grande incêndio de 1911 na Fábrica de Camisas Triangle, quando  mais de uma centena de trabalhadoras morreram em Nova York. Outro incidente, em 2003, reforçou a fiscalização: 100 pessoas morreram em Rhode Island quando a casa noturna “The Station” pegou fogo. “Como em Santa Maria, o incêndio começou com um show de pirotecnia que incendiou as espumas de isolação de som”, lamenta Shannon.

Segundo especialista Shannon Fratarolli, a tragédia em Santa Maria teria sido evitada se a casa noturna Kiss tivesse ‘splinkers’ instalados no teto. “Eles atuam como bombeiros sempre de plantão”, afirma. Os dispositivos que liberam água poderiam ter extinguido o incêndio ou pelo menos diminuído a velocidade com que se espalhou, dando mais tempo para as vítimas saírem do local.Quando soube do incidente no Brasil, Shannon teve que ler a notícia várias vezes porque não acreditava que tantas pessoas haviam falecido. “É surpreendente que acidentes como estes aconteçam hoje em dia, quando sabemos os fatores de risco de incêndios e como evitá-los”, diz. Para ela, o problema é que prevenção tem que ser levada mais a sério.

 

Incêndio na Boate Kiss

Um incêndio de grandes proporções deixou mais de 230 mortos na madrugada do dia 27 de janeiro, em Santa Maria (RS). O incidente, que começou por volta das 2h30, ocorreu na Boate Kiss, na rua dos Andradas, no centro da cidade. O Corpo de Bombeiros acredita que o fogo tenha iniciado com um artefato pirotécnico lançado por um integrante da banda que fazia show na festa universitária.

Segundo um segurança que trabalhava no local, muitas pessoas foram pisoteadas. “Na hora que o fogo começou, foi um desespero para tentar sair pela única porta de entrada e saída da boate, e muita gente foi pisoteada. Todos quiseram sair ao mesmo tempo e muita gente morreu tentando sair”, contou. O local foi interditado e os corpos foram levados ao Centro Desportivo Municipal, onde centenas de pessoas se reuniam em busca de informações.

A prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias e anunciou a contratação imediata de psicólogos e psiquiatras para acompanhar as famílias das vítimas. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde se reuniu com o governador Tarso Genro e parentes dos mortos. A tragédia gerou uma onda de solidariedade tanto no Brasil quanto no exterior.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Na segunda-feira, quatro pessoas foram presas temporariamente – dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Sphor, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffman, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investigava documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergiam sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

 

Fonte: Jornal do Brasil