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EUA: cidade exigiu leis mais rigorosas após incêndio em boate há 10 anos

Em fevereiro de 2003, West Warwick perdeu 100 jovens em uma tragédia parecida com a da Boate Kiss, em Santa Maria

Um incêndio na boate The Station, na cidade americana de West Warwick, matou 100 jovens em 2003 (Foto: AFP)

A experiência de West Warwick, em Rhode Island, nos Estados Unidos, pode servir de inspiração para Santa Maria (RS): há dez anos, a cidade dava os primeiros passos para superar o incêndio na boate The Station, que vitimou 100 jovens em fevereiro de 2003. Entre as iniciativas que foram tomadas, estão novas leis anti-incêndio e ações para melhorar a autoestima da comunidade.

Dez anos separam os incêndios entre as boates Kiss e The Station, mas as semelhanças são surpreendentes. Em Rhode Island, o incêndio foi causado por um dispositivo de pirotecnia lançado pelo empresário da banda de rock “Great White”. O fogo se espalhou rapidamente pela espuma localizada no teto e nas paredes do local. Em cinco minutos, havia 100 vítimas e 230 feridos, a maioria formada por jovens universitários.

Logo depois do incidente, a comunidade local pressionou pela criação de uma comissão investigadora para apurar as causas do incêndio e avaliar as normas de segurança estaduais. Foi formado um grupo de 17 integrantes, que incluía secretários do estado, bombeiros, enfermeiras e empresários. E, num ato simbólico, a primeira reunião foi marcada para o dia 20 de março, exatamente um mês após a tragédia.

No decorrer de quatro meses, a comissão estadual ouviu depoimentos de especialistas, sobreviventes do incêndio e familiares das vítimas. O grupo não tinha poder legislativo, mas, com o resultado da investigação, pretendia pressionar por normas e fiscalização mais rígidas. “Eles podem esclarecer as causas do incêndio e apontar mudanças que podem ser necessárias na legislação estadual”, explicou, na época, o jornal local Sun Journal.

O resultado foi a legislação anti-incêndio mais rigorosa de todo o país, que exige a instalação de extintores de incêndio nas casas noturnas e proíbe shows de pirotecnia em locais fechados. Os estabelecimentos comerciais tiveram cinco anos para se adaptarem às novas normas. E a implementação das medidas agradou tanto à comunidade que o governador do Estado, Donald Carcieri, foi eleito para um segundo mandato em 2006.

Na mesma época, a Justiça decidiu responsabilizar criminalmente os donos da boate The Station e o empresário da banda Great White por homicídio involuntário. Em 2006, um dos donos, Michael Derderien, e o empresário, Daniel Biechele, receberam sentenças de 15 anos, sendo que cada um cumpriu quatro anos. E o outro dono, Jeffrey Derderian, recebeu sentença de dez anos, que cumpriu em liberdade.

 

Bolsas de estudo para ajudar a elevar autoestima

Um mês após o incêndio em Rhode Island, o periódico local Providence Journal ainda publicava obituários das vítimas. A edição do dia 20 de março de 2003 descreve Andrew Hoban, 22 anos, recém-formado em Ciência Política pela Universidade de Rhode Island: “trabalhava como corretor de imóveis. Era um jovem trabalhador e que gostava de jogar golfe”.

Mark Kwolek, hoje com 33 anos, era amigo de Andrew e por pouco não foi à casa noturna naquela noite. “Eu estava com ele pouco tempo antes de ele ir para a boate. Eu tentei convencer ele a ir a outro lugar, mas o Andrew tinha que encontrar um cliente”, lembra. A perda do amigo marcou Mark e grande parte da comunidade de West Warwick, cidade pequena onde quase todos conheciam alguém que estava na boate.

Para ajudar na superação da tragédia, Mark resolveu, junto com a família de Andrew, criar uma bolsa de estudos para jovens da cidade que tem os mesmos interesses de Andrew: basquete, golfe e voluntariado. “Desde 2003, nós já beneficiamos cerca de 30 jovens com US$ 4 mil para cada um”, diz, orgulhoso. Para ele, é a melhor forma para lembrar as vítimas e melhorar a autoestima da comunidade.

Mark lembra do mês seguinte ao incêndio em Rhode Island: “a primeira semana foi surreal. Você está em choque. E um mês depois, você começa a se dar conta que a sua vida continua e que seu amigo não vai mais estar ali para te acompanhar”. Ele afirma que, até hoje, alguns amigos não conseguem ficar em lugares lotados, e quando vão a alguma boate, já procuram a saída de emergência.

 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou mais de 230 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente – dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A intenção é oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

 

Fonte: Terra