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Gastar com combate a incêndios não é prioridade na América Latina, dizem especialistas

Tragédia em Santa Maria (RS) deixou mais de 230 mortos na madrugada do domingo passado (27)

O incêndio na boate Kiss de Santa Maria (RS), que matou mais de 230 pessoas há uma semana, entrou para a lista das piores catástrofes não naturais do século 21. A tragédia revelou também um dado alarmante: entre os cinco piores incêndios deste século, quatro ocorreram na América Latina.

Em entrevista ao R7, especialistas em segurança afirmam que, diferente de Europa e Estados Unidos, os países latino-americanos não colocam o combate a incêndios em suas listas de prioridades. Segundo eles, a prevenção a incêndios não é encarada com uma necessidade, mas apenas como um “gasto extra”, seja na hora de erguer um empreendimento ou de gastar com equipamentos.

“[Os construtores] sempre pensam que a parte de instalações contra incêndios é um custo, e que são acontecimentos raros que não vão acontecer com a gente”, diz o professor Telmo Brentano, membro da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da Associação Nacional de Proteção a Incêndio dos EUA (NFPA, na sigla em inglês).

Segundo Brentano, não existe nos países latino-americanos um trabalho preventivo de combate a incêndios.

— É uma questão cultural.

Marcelo Lima, Diretor Geral do Instituto Sprinkler Brasil — organização que defende o uso de chuveiros automáticos para combater incêndios —, disse que a falta de preparo não é grave apenas da América Latina.

— Países da Ásia, Leste Europeu e América latina são negligentes na questão de prevenção de incêndio.

De acordo com Lima, o custo dos equipamentos adequados,  que inclui a instalação de hidrantes, chuveiros automáticos e depósitos de água, equivale a 2% do total de um empreendimento.

 

Hábito latino-americano

Nos últimos anos, grandes incêndios também aconteceram na Rússia, Uganda, Coreia do Sul e Bangladesh (veja lista), causando mais de cem mortes em cada um dos casos.

No sul de Uganda, na cidade de Kanungu, aconteceu uma das piores tragédias no dia 17 de março de 2000, quando 530 pessoas morreram em um incêndio em uma igreja local.

Na América Latina, incêndios de grandes proporções atingiram países como o Paraguai, em 2004, causando a morte de 396 pessoas em um supermercado.

A Argentina também foi palco de uma tragédia similar ao de Santa Maria. Em 2004, um incêndio na boate República Cromañón, em Buenos Aires, tirou a vida de 194 pessoas.

Outro local fechado que corre bastante risco no subcontinente são os presídios. Incêndios desse tipo mataram 360 pessoas em Honduras no ano passado, e 136 na República Dominicana, em 2005.

De acordo com Marcelo Lima, incêndios dessas proporções acontecem nos países latino-americanos porque não existe uma legislação “forte” de prevenção.

— É uma questão de hábito. Na Europa e nos Estados Unidos, é obrigatório ter um sistema de combate a incêndios, isso se tornou comum. É como usar o cinto de segurança, capacete e a cadeirinha de bebê.

 

Legislação nacional

Ainda que o Brasil não tenha uma legislação nacional de prevenção, o diretor-geral do Instituto Sprinkler Brasil afirma que o País é o mais avançado do continente nessa questão, sobretudo o Estado de São Paulo.

— Mas ainda assim há alguns pontos falhos.

Depois da tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que deixou 231 mortos, especialistas esperam a mobilização do governo para a criação de um Código Nacional de Segurança contra Incêndios com regras mínimas que sirvam de parâmetro para todo o território nacional. Não existe uma legislação federal de segurança contra incêndios.

A competência de criar leis sobre equipamentos de segurança de casas noturnas, por exemplo, é municipal. Os municípios e os Estados que podem definir o que pode e não pode. Mas, para o professor Telmo Brentano, fazer leis não impede que tragédias aconteçam.

— Não é uma questão de fazer lei, a questão é adotar a lei e a proteção contra incêndio. É preciso fazer um o projeto independente [no planejamento da obra], como os demais projetos para instalação hidráulica e elétrica nos estabelecimentos.

Brentano alerta também para a luta de braço entre as esferas do poder, que tornaria a fiscalização mais frouxa.

—A impunidade é total. Por exemplo, o Corpo de Bombeiros impede uma casa noturna promover um show, mas depois vem uma ordem superior que libera o local.

 

Fonte: R7