O Reynobond PE, material que está sendo apontado por especialistas como um fator agravante no incêndio da Grenfell Tower, em Londres – que causou a morte de pelo menos 79 pessoas até agora – também é usado em obras no Brasil.
E a exemplo do que acontece no Reino Unido, a versão do produto sem revestimento para retardamento de chamas, mais barata, não tem utilização controlada no país – nos Estados Unidos e na Alemanha, sua utilização é proibida.
Nesta segunda-feira, porém, o fabricante do Reynobond PE, a Arconic, anunciou a suspensão mundial de vendas do produto, alegando como justificativa as diferenças de regras de construção civil entre os diversos países e as suspeitas envolvendo o incêndio em Londres.
“A perda de vidas e a destruição causadas pelo incêndio da Grenfell Tower são devastadoras. Gostaríamos de oferecer nossos pêsames a todos afetados por essa tragédia. Um de nossos produtos foi usado como um dos componentes do revestimento da fachada do edifício, e a empresa apoiará plenamente as autoridades durante a investigação”, disse a empresa, em um comunicado.
A BBC Brasil consultou especialistas em engenharia e arquitetura e constatou que, ao menos em teoria, edifícios residenciais e comerciais no Brasil podem estar vulneráveis ao mesmo tipo de incidente registrado não apenas em Londres, mas em construções e outros países como França, Austrália e Emirados Árabes.
Nesta sexta-feira, a polícia de Londres informou que o revestimento usado no prédio londrino foi reprovado em um teste feito pelos mais de 200 peritos que percorreram o local. Inspeções revelaram riscos em outros conjuntos habitacionais do país e, na noite de sexta-feira, mais de 600 apartamentos foram evacuados no bairro londrino de Camden.
O Reynobond está na categoria dos painéis de alumínio composto (conhecidos como ACM), usados na construção civil como revestimento de fachadas para residências e imóveis comerciais. Os painéis ACM oferecem uma série de vantagens para a construção, incluindo a redução de custos de manutenção e limpeza.
“Visualmente, por exemplo, eles ‘imitam’ alternativas mais caras como a madeira”, explica o arquiteto carioca Leandro Lait. “Seu custo no Brasil ainda é alto e o uso em abundância ainda é pequeno de modo geral.”
No entanto, há um sinal de crescimento de popularidade do produto: nos últimos anos surgiram fabricantes nacionais como alternativa para a importação das placas – o Reynobond, por exemplo, é fabricado pela Arconic, empresa criada no ano passado pela multinacional da mineração Alcoa.
E o preço dos ACM caiu de algo equivalente a US$ 100 (cerca de R$ 330) por metro quadrado na década passada para R$ 40 em 2016.
“Há motivos para preocupação porque não temos ideia de quantos prédios podem ter usado não apenas essa marca de painel, sobretudo construções mais antigas, em que o rigor de normas e inspeções era menor”, afirma Ilan Pacheco, diretor da ICS Engenharia, de São Paulo, empresa especializada em serviços de proteção contra incêndio.
Pacheco faz alusão ao fato de que a variação do Reynobond usada na Grenfell Tower teria que passar por testes de flamabilidade para poder ser usada na reforma da fachada do edifício, em 2012, o que não parece ter acontecido, segundo investigações da polícia de Londres.
O engenheiro faz parte de um coro de vozes que criticam a legislação de incêndio do país. A Constituição de 1988 estabelece que a prevenção de incêndios é responsabilidade de cada um dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal. Especialistas afirmam que isso gera diferenças significativas entre as normas.
E cabe ao Corpo de Bombeiros de cada Unidade da Federação a vistoria a aprovação de projetos e obras.
“Varia também o grau de exigência de cada Estado. Essa fragmentação, por exemplo, faz com que o Brasil até hoje não tenha uma base de dados unificada sobre número de incêndios e vítimas”, explica Marcelo Lima, diretor do Instituto Sprinkler Brasil (ISB) e engenheiro especializado na área de incêndios.
Lima alerta para a ausência de legislação que estabeleça a certificação nacional de materiais especificamente no que diz respeito a incêndios. Hoje, apenas extintores de incêndio e mangueiras têm esse controle legal.
“Não é uma questão de proibir um ou outro material de ser utilizado em obras. O que deve ser analisado não é o produto, mas sim como ele se comporta em um sistema. Mas uma certificação mais rigorosa é fundamental na questão de prevenção. Não adianta, por exemplo, eu instalar uma rede de sprinklers (sistema de combate a incêndio que descarrega água quando detectado um incêndio) se usar um produto de qualidade inferior, por exemplo.”
Profissionais como Pacheco e Lima fizeram parte de um grupo de pressão que conseguiu, em outubro de 2015, a criação de uma Frente Parlamentar de Segurança Contra Incêndio, que busca no debater projetos no Congressi como a criação de uma base nacional de dados sobre incidentes do gênero e a criação de um regulamento que sirva para todos os Estados.
O último incêndio com grande número de vítimas em edifícios brasileiros foi o do Andorinha, em 1986, no centro do Rio de Janeiro, em que 21 pessoas morreram e 50 ficaram feridas – a última grande tragédia foi o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que matou 242 pessoas em 2013.
Para Marcelo Lima, os mais de 30 anos de “trégua” se devem a uma combinação de “aprendizado e sorte”.
“Saltos na prevenção a incêndios sempre vêm depois de grandes tragédias e a situação hoje é melhor. O problema é que a prevenção de incêndios no Brasil ainda é vista como despesa em vez de investimento. Isso não deveria acontecer em um momento em que a tendência de uso de plásticos na construção civil, por exemplo, surge como alternativa de barateamento de custos. Precisamos aprender sempre com incidentes como o que houve em Londres”.
FONTES:
BBC (original)
G1
Folha de S.Paulo